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O ACESSO AO ESPORTE NAS POLÍTICAS SOCIAIS DO BRASIL E DA ESPANHA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA
Bárbara Isabela Soares de Souza, Cíntia Csucsuly Rocha, Oromar Augusto dos Santos Nascimento, Wagner Matias Barbosa, Fernando Mascarenhas

Última alteração: 2017-01-23

Resumo


1- INTRODUÇÃO

As transformações do modo de produção capitalista das últimas três décadas do século XX – liberalização econômica; privatizações; diminuição do fundo público na reprodução da força de trabalho; susbstituição do regime de produção fordista pelo regime de produção flexível; espetacularização das manifestações culturais; e, relativização do luxo e das necessidades – culminaram na expansão das relações mercantis para novos territórios, e, sobretudo, para setores que até então não estavam totalmente submetidos à lógica da produção de mercadorias (FONTES, 2010). Em consequência disso, os fenômenos culturais, principalmente, o esporte, passaram a ser hegemonicamente produzidos sob a forma de mercadoria.
No Brasil, a formação de um campo mercantil no segmento esportivo foi consideravelmente influenciado pelas mudanças processadas na Itália e na Espanha. A Itália modificou o seu ordenamento legal em 1981 e permitiu que as entidades de prática esportiva se tornassem empresas. A Espanha seguiu o mesmo caminho em 1990, especialmente para o futebol e o basquete. O Brasil também atendeu na década de 1990 as demandas do Mercado, com a Lei Zico (Lei nº 8.672/1993) e a Lei Pelé (Lei nº 9.615/1998).
Contudo, a relação entre a organização esportiva brasileira com a espanhola é mais intensa, tendo em vista que o Brasil têm se espelhado na Espanha para construir os seus ordenamentos legais, e, também, consolidar um projeto de desenvolvimento do esporte. Um exemplo disso é que para todas as candidaturas aos Jogos Olímpicos, o Brasil teve como modelo de inspiração os Jogos Olímpicos de Barcelona de 1992 (MASCARENHAS, 2011).
No entanto, não existem apenas semelhanças entre estes dois países, mas também diferenças, como por exemplo, na forma como o Estado se relaciona com as entidades de administração e de prática esportiva. No Brasil, as mesmas possuem autonomia administrativa e financeira, em contrapartida, são co-responsáveis pelo desenvolvimento do esporte na Espanha.
Considerando que modelo espanhol de desenvolvimento do esporte é uma referência para o Brasil, este estudo teve como objetivo analisar como o esporte é tratado nos ordenamentos legais e dispositivos políticos do Brasil e da Espanha, bem como, analisar as características dos praticantes de esporte de ambos os países.

PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS

Para a presente pesquisa será utilizada a metodologia dos estudos comparados, a qual constitui-se como um instrumento analítico das políticas sociais, uma vez que amplia o campo de compreensão sobre as características assumidas por estas políticas em distintas realidades nacionais, a partir da identificação de semelhanças e diferenças entre as mesmas (CARVALHO, 2014).
O caminho metodológico percorrido para o estudo foi delineado por duas técnicas de pesquisa: levantamento documental e revisão bibliográfica, conferindo ao trabalho uma abordagem qualitativa. O levantamento se limitou aos documentos oficiais obtidos a partir de fontes institucionais – em especial, aquelas disponíveis nos portais do Consejo Superior de Deportes (CSD) do Gobierno de España e do Governo Federal do Brasil – e, a revisão envolveu tanto a literatura espanhola como a brasileira sobre o tema em investigação. Para a análise comparativa tomamos como referência o método crítico de análise de políticas públicas proposto por Boschetti (2009), especificamente a primeira categoria no que se refere a concepção e abrangência das políticas públicas.

2- CONCEPÇÃO E CARACTERÍSTICAS DA PRÁTICA ESPORTIVA NO BRASIL E NA ESPANHA

A discussão sobre como as normas jurídicas e os dispostivos politicos do Brasil e da Espanha tratam do acesso ao esporte foi realizada a partir dos documentos relacionados na Tabela 1.
Tabela 1: Relação de ordenamentos legais e dispositivos políticos do Brasil e da Espanha.
BRASIL ESPANHA
Legislação Dispositivos Políticos Legislação Dispositivos Políticos
Constituição Federal de 1988 Politica Nacional de Esporte Constituição Federal de 1978 Plan A+D
Lei nº 8.672/1993 Documento das três Conferências Nacionais de Esporte Lei nº 10/1990 Projeto Maid

Lei nº 9.615/1998 - Real Decreto nº 1835/1991. Plan Integral para la Actividad Física y el Deporte em el ámbito del Deporte em Edad Escolar
Lei nº 10.264/2001 - Real Decreto nº 1251/1999 PROAD
Lei nº 11.438/2006 - Real Decreto nº 971/2007. -
Lei nº 12.395/2011 - - -
Fonte: Elaboração dos autores (2016).

Foi possível constatar na Constituição Federal Brasileira de 1988, Art. 217, que o esporte constitui-se como um direito, posto que, “é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um [...]”. No entanto, de acordo com Athayde (2015), o esporte vem exercendo, historicamente, um papel coadjuvante na agenda governamental brasileira, de forma que sua valorização tem se dado meramente pelo aspecto econômico. Além disso, a concepção de acesso ao esporte presente na Constituição Brasileira é ambígua, uma vez que aponta o esporte como um direito, mas, atribui às entidades esportivas sua organização e funcionamento; prioriza a destinação de recursos para o esporte educacional e ao mesmo tempo, concede tratamento diferenciado para o esporte profissional e não profissional.
A Constituição Espanhola de 1978 trata de forma breve sobre o esporte, afirmando apenas que: “los poderes públicos fomentarán la educación sanitária, la educación física y el deporte. Asimismo facilitarán la adecuada utilización del ócio”. Nesta perspectiva, é responsabilidade do Estado fomentar a prática esportiva, no entanto, não está explícito se o esporte é considerado um direito social. Além disso, esta constituição não trata sobre a relação das entidades esportivas e as esferas governamentais, de forma que, semelhante à Constituição Federal Brasileira de 1988, não é possível identificar os atores e os interesses privilegiados.
Diferentemente da Constituição Brasileira de 1988, a legislação infraconstitucional analisada – Lei Zico (Lei n° 8.672/1993) e Lei Pelé (Lei n° 9.615/1998) – aponta para um conteúdo híbrido na tentativa de acomodar os interesses públicos e privados ligados ao esporte, posto que ao passo que tratam o esporte como direito social, privilegiam a normatização da produção e o consumo da prática esportiva no país, principalmente, o futebol. Nesta perspectiva, foram percebidas algumas semelhanças com a legislação infraconstitucional espanhola – Lei n° 10 de 1990 – que considera o esporte como um elemento determinante da qualidade de vida, sendo dever do Estado fomentar práticas esportivas com o objetivo de integrar as minorias sociais à sociedade, mas que, concomitantemente, regula a atuação do mercado no futebol e no basquete.
Com relação aos dispositivos políticos brasileiros, existem divergências sobre as formas de garantir o acesso ao esporte, isto é, se é por meio de ações exclusivas do Estado, ou, se são medidas em colaboração com entidades do “terceiro setor” e do Mercado. No caso dos dispositivos políticos da Espanha, nota-se a existência de uma compreensão salvacionista do esporte e o entendimento de que o “esporte para todos” e o “esporte como provedor de saúde, educação, moral, cidadania e inclusão social” está atrelado aos interesses econômicos do país (ÁLVAREZ et al, 2008). Contudo, é relevante mencionar que o modelo de colaboração da Espanha, ainda que tenha uma legislação nacional, é descentralizado e, que, cada Comunidade Autônoma possui autonomia para formular as suas próprias leis e dispositivos políticos.
Quanto às caracteristicas dos praticantes de esportes no Brasil e na Espanha, a análise dos documentos censitários publicados no ano de 2015 – Diagnóstico Nacional do Esporte (Diesporte) e a Encuesta de Hábitos Deportivos en España – revelam que os dois países apresentam níveis de prática esportiva próximos, independente do gênero.
Uma tendência nos dois países é a queda acentuada do número de praticantes com o avançar da idade, de uma forma mais acentuada na Espanha. Enquanto que a faixa etária dos 15 aos19 anos no Brasil, 67,3% praticam esporte, na Espanha, o número chega a 87%.Na faixa etária de 65 a74 anos, o índice no Brasil é de 35,6% de praticantes, e, na Espanha de 30%.
No Brasil, o principal fator motivacional para a prática de exercício físico e/ou esporte é a qualidade de vida, com 41,4%, seguida a melhoria do desempenho físico, com 37,8%. Enquanto que, na Espanha os argumentos são semelhantes, pois 29,9% refere-se à prática para estar em forma, e, 23% por diversão. Consideramos relevante destacar que nos dois países os principais lugares de prática são os espaços públicos com estrutura (ginásios e academias), no caso da Espanha é grande o uso dos locais abertos, como por exemplo, parques e campos.
No que se refere às modalidades mais praticadas, percebe-se que no Brasil predomina o futebol e na Espanha há uma maior diversificação, não tendo uma centralidade em apenas uma modalidade . O Gráfico 01 apresenta os esportes mais praticados nos dois países.

Gráfico 1: Os 15 esportes mais praticados pelos brasileiros (esquerda) e espanhóis (direita)

Fonte: DIESPORTE (BRASIL,2015), Encuesta (ESPANHA, 2015). Elaboração dos Autores (2016).

Por fim, é relevante registrar que cerca de 92% dos brasileiros e 83,9% dos espanhois que praticam esporte não possuem qualquer filiação com instituições esportivas, como clubes, federação, ligas, associações, escolas e universidades. Isto significa que grande parte da população desses países estão alheias ao sistema esportivo de alto rendimento, apontando a necessidade de que as políticas públicas priorizem o “esporte para todos”.

3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
No que se refere a concepção de acesso ao esporte, notamos que existem contradições entre aquilo que está presente nos documentos destes países, pois, enquanto as constituições estabelecem que esse fenômeno deve ser fomentado pelo estado, as leis infraconstitucionais apontam para a regulamentação das relações mercantis nesse segmento. Já os dispositivos políticos reconhecem a importância da prática esportiva como direito, apontando os benefícios para a qualidade de vida das pessoas, bem como, sinalizando a necessidade de ampliar a exploração econômica desse.
Quanto às características da prática esportiva e dos praticantes, a comparação entre os dois censos revelou uma taxa elevada de pessoas que não realizam exercícios físicos e/ou esportes, principalmente entre os idosos. Além disso, observou-se uma dependência da população de ambos os países pelos espaços públicos com equipamentos, sendo que no Brasil predomina a prática do futebol e na Espanha há uma maior diversificação das práticas.
Neste estudo, ficou evidente os altos índices de pessoas que estão inseridas no universo do esporte, mas que não possuem vínculos com as instituições de alto rendimento. Isso ocorre tanto no Brasil como na Espanha, e demonstra uma necessidade de priorizar as ações do esporte como uma atividade de lazer e qualidade de vida.

4- REFERÊNCIAS
ÁLVAREZ, Javier Lasarte et al. Deporte y fiscalidad. Sevilla: Junta de Andalucia, 2008.
ATHAYDE, P. F. O “lugar” do social na politica de esporte do governo Lula. In: MATIAS, Wagner Barbosa, ATHAYDE, Pedro Fernando; MASCARENHAS, Fernando. Políticas de esporte nos anos Lula e Dilma. Brasília: Thesaurus, 2015.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 09 mar. 2016. ______ Lei nº 8672, de 6 de julho de 1993. In: http://www.dataprev.gov.br. Acesso em: 10/09/2016.
______ Lei nº 9615, de 24 de março de 1998. In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9615consol.htm. Acesso em: 13.09.2016.
BOSCHETTI, Ivanete. Avaliação de políticas, programas e projetos sociais. In: CFESS/ABEPSS. Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Brasília: CFESS, ABEPSS, 2009. p. 575-593.
CARVALHO, Elma Júlia Gonçalves de. Estudos comparados em educação: novos enfoques teórico-metodológicos. Acta Scientiarum. Education, Maringá, n.36, v.1, p. 129-141, jan./jun. 2014.
ESPANHA. Constituição da Espanha de 1978. Disponível em: http://www.congreso.es/consti/ constitucion/indice/index.htm. Acceso em: 20 de setembro de 2016.
ESPANHA. Lei nº10 de, de 15 de outrubro de 1990. Disponível em: http://www.csd.gob.es/csd/informacion/legislacion-basica/ley-del-deporte/. Acesso em: 10/06/2016.
FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital imperialismo: teoria e história. 3. ed. Rio de Janeiro:EPSJV/Editora UFRJ, 2010.
MASCARENHAS, Gilmar. O ideário urbanístico em torno do olimpismo: Barcelona (1992) e Rio de Janeiro (2007). In: MASCARENHAS, Gilmar; BIENENSTEIN, Glauco; SÁNCHEZ, Fernanda. O jogo continua: megaeventos esportivos e cidades. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011.

PALAVRAS- CHAVES: Estudos comparados; Esporte; Legislação e Dispositivos
Políticos.