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EDUCAÇÃO FÍSICA E OS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL DE GOIÂNIA
Weverton Alves Alves Santos, Paulianny Mirelly Gonçalves Mirelly Gonçalves de Sousa, Nathália Sousa Nathália Sousa Rabelo, Ranulfo Cavalari Cavalari Neto, William De Jesus De Jesus Simon, Gleyson Batista Batista Rios, Marcel Farias de Sousa Farias Farias de Sousa, Marcos Flávio Mércio Flávio Mércio de Oliveira, Patrícia Santiago Santiago Vieira, Ricardo Lira de Rezende Lira de Rezende Neves, Jéssica Félix Nicácio Félix Nicácio Martinez, Roberto Pereira Pereira Furtado

Última alteração: 2017-01-23

Resumo


Atualmente, o campo da Saúde Mental, influenciado pelos princípios da Reforma Psiquiátrica, busca superar o modelo psiquiátrico tradicional baseado na hospitalização e na compreensão da pessoa com transtorno mental como irracional e perigosa, o que produz uma condição de medo e discriminação na população. A internação nos manicômios é característica do modelo psiquiátrico tradicional. Goffman (2001) classifica o manicômio como uma “instituição total”, uma vez que este se funda na disciplina, controle e vigilância com dispositivos de punição e repressão. Esse modelo de tratamento com base no isolamento, segregação e patologização da tem suas origens no pensamento de Philippe Pinel, considerado pai da psiquiatria e da primeira corrente de tratamento do então denominado “doente mental” conhecida como alienismo. No alienismo, a institucionalização era um imperativo terapêutico: para consolidar o diagnóstico, permitir isolar a alienação em seu estado puro, conhecê-la livre de interferências e para proteger a sociedade e o doente de si mesmo (periculosidade social) (AMARANTE, 2007).
As primeiras “reformas psiquiátricas” no âmbito mundial surgiram após a segunda Guerra Mundial, quando as condições de vida dentro dos hospícios foram associadas a realidade dos campos de concentração (AMARANTE, 2007). No Brasil, o marco inicial da Reforma Psiquiátrica ocorreu na década de 1970, através da busca pela mudança na concepção de tratamento das pessoas com transtornos mentais, por meio da substituição do modelo hospitalocêntrico para o modelo de clínica ampliada, com objetivo de restituir a liberdade, a cidadania e principalmente, a autonomia, através do processo de desinstitucionalização (BRASIL, 2005).
A política de saúde mental brasileira se organiza a partir de serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos, denominados de Centro de Atenção Psicossociais (CAPS). Esses serviços são responsáveis pelo atendimento de pessoas com transtornos mentais ou necessidades decorrentes do uso de álcool ou outras drogas. Os CAPS são unidades de referência e articulam uma rede complexa e ampliada e atenção integral em Saúde Mental, aberta e comunitária pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O cuidado em Saúde Mental pressupõe, portanto, a atenção aos conceitos que alicerçam a política de saúde mental, assim como as necessidades dos usuários e do serviço. A construção de projetos terapêuticos singulares devem balizar-se pelos princípios da reforma psiquiátrica que se materializam na lei 10.216/01, a qual garante a proteção e direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em Saúde Mental (BRASIL, 2001). Assim, é responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde às pessoas com sofrimentos psíquico, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde às pessoas com transtornos mentais.
Diante desses desafios, o grupo de pesquisa ECOS – Educação Física, Trabalho e Formação, criado em 2010, vem desde 2012 analisando as características do trabalho do profissional de Educação Física nos CAPS em um movimento que articula pesquisadores vinculados à Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade Estadual de Goiás (UEG) e Instituto Federal de Goiás (IFG) com profissionais de Educação Física que trabalham nos CAPS de Goiânia. Atualmente, o grupo é formado por oito professores e três estudantes de Educação Física de três instituições de ensino diferentes. O objetivo deste artigo é compartilhar resultados de pesquisas em andamento, produzidas pelo grupo de pesquisa ECOS - FEFD-UFG, sobre o trabalho do profissional de Educação Física nos CAPS de Goiânia.

A CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA DAS PESQUISAS

O projeto de pesquisa “o trabalho do professor de Educação Física nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) de Goiânia: diagnóstico e proposições”, foi construído ao longo do ano de 2012, tendo sido financiado pelo CNPq em 2013. Essa pesquisa encontra-se em andamento e com previsão de finalização para Dezembro de 2017. Busca contribuir com a análise da Educação Física no âmbito da Atenção Psicossocial em Goiânia/GO. Constitui-se em uma pesquisa-ação, dividida em duas fases: 1) pesquisa exploratória visando diagnosticar a realidade do trabalho dos profissionais de Educação Física nos CAPS e 2) construção coletiva de possibilidades para a intervenção da Educação Física nos CAPS. A segunda fase deve se iniciar em 2017, prevê a apresentação e debate dos resultados da primeira fase com o grupo de profissionais de Educação Física que trabalham nos CAPS e a análise da viabilidade de construção de propostas coletivas de intervenção.
A coleta de dados foi desenvolvida em 2014, em 8 CAPS de Goiânia, a partir da aplicação de entrevistas semiestruturadas e da observação, com roteiro estruturado, das atividades desenvolvidas nos CAPS pelos profissionais de Educação Física. Na época da coleta, existiam 21 profissionais trabalhando nos CAPS, dos quais 18 participaram da pesquisa sendo sujeitos que contribuíram com a entrevista e com a observação. Além disso, alguns deles participaram de várias reuniões do grupo de pesquisa no momento de elaboração do projeto de pesquisa e pelo menos 3 deles contribuíram em alguns momentos da análise dos dados, sendo que um dos profissionais participa ativamente da pesquisa desde o início e é co-autor deste artigo. Para a observação, cada profissional foi acompanhado diariamente durante toda sua jornada de trabalho no período contínuo de uma semana, de segunda-feira a sexta-feira. Ao final, obtivemos 105 roteiros preenchidos a partir da observação da rotina de trabalho desses profissionais. Os dados estão em processo de análise a partir da técnica de análise de conteúdo.
Como desdobramento deste projeto, também elaboramos outro cujo título é “Esporte e Lazer no território: uma análise intersetorial a partir dos CAPS de Goiânia” que foi aprovado pela chamada ME/CNPq nº 091/2013. Essa investigação também se encontra em andamento, com previsão de finalização em Dezembro de 2016. O objetivo foi diagnosticar e caracterizar as práticas de esporte e lazer desenvolvidas pelos CAPS de Goiânia em seus territórios a partir de uma pesquisa de campo de abordagem qualitativa. Para tanto, utilizamos três instrumentos para coleta de dados: 1) análise de documentos institucionais do CAPS que se refere às parcerias formais e informais estabelecidas com instituições em seu território; 2) observação com roteiro estruturado e anotações em diário de campo e 3) entrevistas semiestruturadas. As análises foram realizadas a partir da técnica de análise de conteúdo.

RESULTADOS

A análise do conjunto dos dados coletados nos aproximou, primeiramente, da compreensão da rotina dos profissionais de Educação Física nos CAPS de Goiânia, com destaque para as oficinas terapêuticas e ações que ocorrem no território, em espaços fora do CAPS.
É importante ressaltar que, quando analisamos as atividades realizadas pelos profissionais de Educação Física, percebemos que muitas não estão diretamente relacionadas com o objeto que dá identidade a esse campo acadêmico e profissional. Isso ocorre porque os profissionais devem atuar em todas as demandas apresentadas a eles pela instituição e não apenas naquilo que é imediatamente característico das respectivas profissões. Nos CAPS, assim como em outros serviços de saúde, o processo de trabalho é permeado por ações que extrapolam as identidades profissionais. Devido aos princípios do CAPS, o trabalho não pode ser desenvolvido de forma fragmentada e restrita a cada campo de conhecimento, mas em um esforço interdisciplinar (FURTADO et al, 2014).
Através da observação da rotina dos profissionais de Educação Física, foi possível identificar duas categorias: Cuidado terapêutico e Planejamento, organização e avaliação do cuidado terapêutico. A primeira, compõe 63,8% da rotina de trabalho dos profissionais de Educação Física. Essa categoria reúne atividades em que há contato direto com o usuário, sistematizadas a partir de planejamentos ou assistemáticas e eventuais, são atividades que podem ser realizadas por um profissional ou por equipes multiprofissionais. Em nossas observações, foram identificadas na rotina de trabalho dos profissionais de Educação Física dos CAPS de Goiânia as seguintes atividades que envolvem o cuidado terapêutico: a) Oficinas Terapêuticas; b) Referente dia; c) Acolhimento; d) Consulta conjunta; e) Passeios; f) Atendimento familiar; g) Visita domiciliar; h) Confraternização. Algumas dessas atividades fazem parte de uma rotina mais cotidiana de trabalho enquanto outras são mais específicas e pontuais, como confraternizações e passeios, mas todas elas constituem o cuidado terapêutico (FURTADO et al, 2016).
Já a segunda categoria, compõe 36,2% da rotina de trabalho dos profissionais observados. Refere-se a uma série de atividades fundamentais de planejamento, organização e avaliação do trabalho. Essas atividades são realizadas pelos profissionais individualmente ou em grupo e, geralmente, são desenvolvidas sem o contato direto com o usuário do serviço ou com seus familiares. A partir daí, foram identificadas na rotina de trabalho dos profissionais de Educação Física dos CAPS de Goiânia, as seguintes atividades: a) Evolução de prontuário; b) Reunião de equipe/gestão; c) Reunião de equipe referência; d) Atividades administrativas; e) Referência terapêutica/elaboração do Projeto Terapêutico Singular (PTS) (FURTADO et al, 2016).
Em relação aos grupos terapêuticos percebe-se que os CAPS apresentam abordagens peculiares, o que resulta em diferentes formas de organização das oficinas, porém, com algumas semelhanças entre si. As oficinas mais frequentadas são aquelas cujo tema da cultura corporal possibilita abordagens mais lúdicas e livres, ou seja, atividades mais dinâmicas e, não aquelas mais rigorosamente sistematizadas e rígidas. Foram realizadas vinte cinco (59,5%) oficinas na área externa do CAPS utilizando de espaços como varandas, áreas verdes, áreas de lazer e piscinas (AZEVEDO et al., 2015).
Os profissionais de Educação Física entrevistados, na sua grande maioria avaliaram como positivas as oficinas realizadas em espaços que utilizam recursos do território e as justificaram como sendo atividades motivadoras para os usuários e que contribuem para a reinserção social. Como principais dificuldades para realização dessas atividades, as análises apontam para o enfrentamento das precárias condições de trabalho, a necessidade de fortalecimento do projeto institucional do CAPS e da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), assim como da institucionalização de parcerias intersetoriais. Também identificamos a necessidade de superação de estigmas, preconceitos e inseguranças na construção do cuidado em saúde mental, que em certa medida, explicitam a reprodução de práticas manicomiais nos serviços substitutivos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As pesquisas realizadas vêm se mostrando importantes para compreensão do trabalho dos profissionais de Educação Física dos CAPS de Goiânia. Nesse contexto, foi possível analisar como a construção do cuidado terapêutico é tecida por tais profissionais da saúde mental. As análises dos dados tem provocado muitas reflexões e apontamentos, para se pensar na atuação profissional, no papel da Educação Física nos usos de recursos do território, no trato pedagógico e na relação interdisciplinar existente na construção desse trabalho coletivo. A primeira fase das análises foi de extrema importância para nos aproximarmos do objeto, compreender suas relações e os determinantes que influenciam no trabalho do profissional de Educação Física. Espera-se na segunda fase da pesquisa, o debate dos resultados iniciais com os profissionais de Educação Física que trabalham nos CAPS de Goiânia possibilitando problematizar esses achados e construir coletivamente estratégias e caminhos para alicerçar o trabalho da Educação Física na saúde mental.

REFERÊNCIAS
AMARANTE, P. D. de C. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2007.

AZEVEDO, M. da C.; FURTADO, R. P.; SOUZA, M. F de; NEVES, R. L. de R.; MARTINEZ, J. F. N.; RIOS, G. B.; OLIVEIRA, M. F. M. DE; VIEIRA, P. S.; SIMON, W. de J.; CAVALARI NETO, R.; SANTOS, W. A.; Educação Física e os CAPS de Goiânia: uma análise das oficinas terapêuticas. In: 11º CONGRESSO BRASILEIRO DE SAÚDE COLETIVA. Goiânia, 2015. Anais eletrônicos… Goiânia: Abrasco, 2015. Disponível em: . Acesso em: 05 out. 2016.

BRASIL. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília DF, 09/04/2001, P. 2. Disponível em:. Acesso em: 02 out. 2016.

BRASIL. Ministério da Saúde. Reforma Psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil - Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. Brasília, novembro de 2005. Disponível em: Acesso em: 02 out. 2016.

FURTADO, R. P. et al. Educação Física e Saúde Mental: uma análise da rotina de trabalho dos profissionais dos CAPS de Goiânia. Movimento, Porto Alegre, 2016 (no prelo).

FURTADO, R. P.; RABELO, N. S.; MARTINEZ, J. F. N.; SIMON, W. J.; SOUZA, M. F.; OLIVEIRA, N. S. R. CAPS, território e Educação Física. In: 11º CONGRESSO BRASILEIRO DE SAÚDE COLETIVA. Goiânia, 2015. Anais complementares eletrônicos…Goiânia: Abrasco, 2015. Disponível em:. Acesso em: 05 out. 2016.

FURTADO, R. P. et al. O trabalho do professor de Educação Física no CAPS: aproximações iniciais. Movimento, Porto Alegre, p. 41-52, set. 2014.

GOFFMAN, E. Manicômios, Prisões e Conventos. Tradução de Dante Moreira Leite. 7ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2001.