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O ESPORTE E LAZER COMO ELEMENTOS FORMATIVOS: REFLEXÕES SOBRE A REALIDADE DE CATALÃO-GO
Ana Carla Dias Carvalho, Luara Faria Dos Santos

Última alteração: 2017-01-24

Resumo


1. INTRODUÇÃO
Este texto apresenta uma reflexão sobre esporte e lazer enquanto elementos formativos a partir da experiência pedagógica desenvolvida através do planejamento e execução do “II Encontro Acadêmico de Interação Cultural” realizado em 2016 pelo Curso de Educação Física da UFG-RC, Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão. O referido trabalho deu-se a partir da disciplina curricular “Gestão e Políticas de Educação Física, Esporte e Lazer” que objetivou promover a reflexão e o potencial educativo do esporte e lazer na cidade e, especialmente na universidade a fim de contribuir com a formação profissional dos acadêmicos de educação física, envolvidos diretamente na organização bem como, aqueles que usufruíram das ações desenvolvidas pelo evento. O argumento central que permeou a disciplina e que reverberou na proposição do evento concebendo o esporte e o lazer como elementos formativos que se configuram em práticas corporais históricas e significativas, constitutivas do acervo da cultura corporal e que portanto, demandam apreensão, reflexão, vivência e trato pedagógico em ambientes socioeducativos.
A reflexão dos esportes e do lazer como direito social expressos direto e indiretamente na Constituição de 1988 torna-se um desafio, haja visto que tais elementos estão contemplados sob diferentes forças. O lazer está ao lado de direitos tidos como fundamentais, conforme o Art. 6º “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” (Constituição Federal, 1988, artigo 6, §3º) na forma desta Constituição. Entretanto, o gozo, ou a dimensão do lazer ainda é compreendida como privilégio de poucos e um direito ainda marginal para a maioria da população. Já o esporte, também previsto como direito, na legislação vigora no âmbito das práticas desportivas, segundo o Art. 217 “É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um observado que (...) o poder público incentivará o lazer, como forma de promoção social” (Constituição Federal, 1988, artigo 217, §3º).
Faz-se necessário discutir a relevância da promoção de vivências sócio culturais que tematizem as práticas corporais e esportivas enquanto patrimônio da cultura humana que eleja as possibilidades de superação do modelo hegemônico do esporte de alto rendimento e espetáculo e do lazer voltados para o consumo. Assim, a materialização do acesso ao esporte e ao lazer enquanto direitos sociais constitui-se como prerrogativas sociais no desenvolvimento, socialização e formação ampliada mediante a possiblidade de apreensão da cultura, conhecimento de si, expressão e intervenção na realidade através das técnicas esportivas, lúdicas, expressivo-comunicativas sob interface com a saúde, educação, estética e treino corporal.
O esporte tal qual o concebemos, trata-se de um fenômeno tipicamente moderno, compreendê-lo historicamente nos permite redefinir sua forma, sob a premissa de um bem de direito que foi expropriado do domínio e dos valores populares e que tomou forma de espetáculo, passando a veicular interesses estritamente mercadológicos e se configurando como mercadoria vendável a diferentes grupos sociais, sob diferentes intensidades e formas.
Com origem no final do século XIX e início do XX, no contexto de secularização, o esporte assume os jogos populares que eram práticas lúdicas no campo do divertimento do povo originalmente ligadas às festas das colheitas e religiosas (Bracht, 1999) e conforme os princípios da institucionalização, da normatização e regramento o esporte toma nova forma, lugar, sentidos e significados. A partir do processo de urbanização e industrialização crescente da Inglaterra, o tempo da natureza já não compõe a vida da sociedade por isso, os jogos ligados ao ritmo do fazer cotidiano/trabalho e do divertimento das comunidades rurais e populares, são substituídos paulatinamente amparado por novos códigos e normas. É nesse contexto de modificação dos valores originais dos jogos que se constitui o processo de esportivização o qual emergem os valores agregados ao esporte como o individualismo, a competição, o rendimento, a concorrência, o record, a performance, a produtividade e a cientificização os quais se ajustam de modo nunca antes visto às exigências da maneira capitalista de produção da vida.

2. METODOLOGIA
O exercício de pesquisa promovido pela disciplina “Gestão e Políticas de Educação Física, Esporte e Lazer” compreendeu uma revisão de literatura, aplicação de questionário socioeconômico, cultural e esportivo aos acadêmicos matriculados na disciplina, observações e registros fotográficos de ambientes de educação do corpo no âmbito não formal (parques, praças, academias de ginástica, etc.) da cidade de Catalão e região, sistematização das reflexões pautadas no contraste dos dados produzidos pelos acadêmicos com a realidade apresenta pelo DIESPORTE - Diagnóstico Nacional de Esporte (2015) e a proposição de ações no “II Encontro de Interação Cultural” que atendessem as demandas ligadas a concepção de esporte e lazer produzidas pelas reflexões e demais procedimentos executados pelo coletivo. Os principais eixos de análise foram: a) realização de uma reflexão sobre o entendimento do esporte e lazer enquanto elementos formativos; b) identificação da realidade, dos espaços e equipamentos específicos de práticas corporais e esportivas na cidade; c) do perfil socioeconômico dos acadêmicos do curso de Educação Física.

3. REALIDADE DO ESPORTE E DO LAZER EM CATALÃO-GO
Ao problematizar o direito, o acesso, a democratização dos espaços públicos que privilegiam o campo das práticas corporais, esportivas e de lazer na cidade, investigamos espaços da iniciativa pública e privada a fim de uma contextualização pautada em dados locais que revelassem consistências para nos auxiliar no plano da crítica e das proposições.
A cidade de Catalão conta com uma população estimada de 98.000 (noventa e oito mil) habitantes em 2015. O Índice de Desenvolvimento Humano – IDH atualmente, é de 0,766 o que configura um avanço em relação à média nacional que é de 0,727. (Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2013).
Em 2012 Catalão contava com 34 unidades escolares tendo 12.212 matrículas no Ensino Fundamental e 3.557 matriculados no ensino médio. Todavia, há um contingente significativo de crianças e jovens fora da escola e, com isso, tem-se um elevado quadro de exclusão social decorrente desse processo expressos no analfabetismo funcional e na violência. Neste contexto, há uma demanda significativa de investimentos na educação, nos esportes e no lazer que podem contribuir com a modificação desse quadro envidando iniciativas no âmbito da formação integral da população.
O direito de acesso ao esporte e ao lazer como bens culturais estão interligados a dimensões da educação, da cultura, do meio ambiente, do esporte e do lazer propriamente. Na principal legislação da cidade, são assegurados ao cidadão seus direitos e deveres firmados na Lei Orgânica do Município de Catalão, que prevê no Cap. II - Da Educação, da Cultura e do Desporto; na Seção II – Da Cultura contempla em seu Art. 106 que prevê a seguinte redação: “o Município apoiará e incentivará a valorização e difusão das manifestações culturais, prioritariamente, as diretamente ligadas à história de Catalão, à sua comunidade e aos seus bens.” (Lei Orgânica do Município de Catalão)
Quanto ao desporto e ao lazer, a seção II - DO DESPORTO E DO LAZER compreende três artigos que anunciam as obrigações do Município para a promoção das práticas desportivas e de lazer, são elas:

Art. 111 – O Município fomentará às práticas desportivas formais e não formais, dando prioridade aos alunos de sua rede de ensino e à promoção desportiva dos clubes locais.
Art. 112 – O dever o Município, com o incentivo às práticas desportivas dar-se-á, ainda, por meio de: I – criação e manutenção de espaço próprio à prática desportiva nas escolas e logradouros públicos, bem como a elaboração dos seus respectivos programas; II – organização de programas esportivos para adultos, idosos e deficientes, visando otimizar a saúde da população e o aumento de sua produtividade; III – incentivos especiais à ruralização do desporto e do lazer; IV – criação de uma comissão permanente para tratar do desporto dirigido aos deficientes, destinando a esse fim recursos humanos e materiais, além de instalações físicas adequadas.
Art. 113 – O município incentivará o lazer como forma de promoção humana e social. (Lei Orgânica do Município de Catalão.)

Nesse caso, a legislação enquanto devir expressa o esporte enquanto dimensão educacional e de participação, há lugar para a história, a inclusão, a educação no campo muito para além daquilo que se pretendeu na Constituição de 1988 e em consonância com a compreensão multifacetada de esporte presente na lei conhecida como Lei Pelé (Lei n. 9615, de 1998). Têm-se enquanto classificação do esporte as dimensões do rendimento, da participação e educacional que compreendem conforme seus objetivos, organização e atuação, a seguir:

- Esporte de rendimento: aquele que tem como referência normas e regras internacionais, a finalidade de obter resultados de alta performance, além de possibilitar a integração entre pessoas e comunidades. Tem como organizações de prática, principalmente, os clubes esportivos e como organizações de administração as federações, confederações, as ligas e os comitês olímpico e paraolímpico;
- Esporte de participação: voltado para a prática do esporte como possibilidade de lazer na busca da integração social, da saúde e da qualidade de vida;
- Esporte educacional: praticado dentro das organizações educativas, como as escolas e os projetos socioesportivos e que apresenta como finalidade o ensino da cultura esportiva na direção do desenvolvimento da pessoa, da construção da cidadania e da inclusão. (Lei n. 9.615, de 1998)

O poder público municipal através da Secretaria Municipal de Esportes e Lazer - SMEL, oferece aproximadamente vinte modalidades de aulas/atividades (danças, musculação, lutas, ginástica, entre outras) regulares e gratuitas no campo das práticas corporais e esportivas concentradas no chamado clube do povo o que pode ser considerado uma ação importante no que tange ao acesso popular. No entanto, encontramos uma restrição acerca da promoção do esporte e lazer neste espaço pois, apenas uma pequena parcela privilegiada da população pode participar das aulas, considerando que, o clube do povo é o principal equipamento esportivo, localizado num bairro central da cidade que não possui sequer transporte público o dificulta o acesso dos moradores dos bairros periféricos. Destaca-se ainda, que os moradores do bairro são de classe média e alta por assim dizer, não apresentam demanda social.
Com relação ao quadro de profissionais de Educação Física que lá atuam encontramos estagiários e professores contratados, situação essa que pode prejudicar o desenvolvimento do trabalho pois, parece haver uma dependência dos interesses atrelados as forças políticas que estão no poder.
Há em torno de 17 academias ao ar livre, todavia, nenhuma conta com a orientação e supervisão de agentes socioeducativos ou da área de Educação Física.
Historicamente, na cidade não tem sido garantidas parcerias com o Governo Federal através do Ministério dos Esportes. Realidade diferente foi encontrada nas cidades de Ipameri localizada a 50 km de Catalão e Ouvidor à 17 km de Catalão; a primeira, conta com o PELC - Programa Esporte e Lazer na Cidade e, a segunda, identificou-se uma parceria público privado em prol de um projeto de esporte, cultura e lazer com uma empresa multinacional da cidade.
Ao lado disso, realizamos a aplicação do questionário com perguntas abertas e fechadas, a fim de identificar o perfil socioeconômico, cultural e esportivo dos acadêmicos envolvidos no planejamento e execução do evento. Os acadêmicos pesquisados constituíram a amostra de 30 participantes e como triangulação dos dados percebeu-se que 75% dos estudantes do curso de Educação Física da UFG-RC são trabalhadores ou seja, estão vinculados a alguma atividade regular. Essa informação é importante para contextualizar a realidade dos estudantes universitários que em sua maioria portanto, constituem-se de trabalhadores submetidos ao mercado formal e informal.
A ampla maioria dos estudantes, especificamente, 80% possui renda familiar igual ou inferior a 3 salários mínimos. Sendo que destes, o percentual de 30% possui renda familiar de no máximo 1 salário mínimo e meio. Pode-se inferir que contemplam um quadro de demanda socioeconômica e cultural, o qual carece de políticas sociais que os auxiliem na manutenção e permanência no Ensino Superior, nesse sentido apresenta-se a demanda de políticas sociais de assistência estudantil. Neste sentido, o acesso à práticas corporais e esportivas podem se constituir em vínculos importantes tanto na permanência, quanto no que tange ao necessário empoderamento da classe trabalhadora, na inclusão, na diversidade cultural, no gênero e na sexualidade e na etnia, entre outras.
Com relação a prática de atividades físicas e esportivas, dos 30 informantes, 52% mencionam praticar pelo menos 1 vez por semana algum esporte coletivo sendo o futebol o esporte mais praticado pari passo ao Diagnóstico Nacional de Esportes (2015), entretanto, vale destacar que no diagnóstico compreende-se “prática regular” no mínimo duas vezes por semana. Desse modo, o dado é expressivo pois, os estudantes mencionam a prática de esporte coletivo apenas uma vez por semana, o que provavelmente indica que, essa prática não é sistemática e sim, proporcionada pelo grupo de convivência na dimensão do lazer. O futebol também é eleito pela maioria dos homens em nosso levantamento, ratificando a presença do sexismo nas práticas esportivas. Em seguida, aparecem a musculação com 18%; a caminhada com 10%; e, 8% anunciam a prática dos esportes individuais como a dança, o ciclismo e a natação. E, finalmente 12% afirmam não praticarem nenhum esporte ou atividade física.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O percurso reflexivo realizado na disciplina privilegiou a leitura e o diagnóstico da realidade sobre o esporte e o lazer na cidade e, especialmente na universidade culminando com a realização do evento que pretendeu contemplar uma síntese propositiva, a fim de contribuir com o processo do coletivo envolvido com o conhecimento e a intervenção privilegiando um fazer pedagógico comprometido com a transformação social.
Diante do contexto apresentado, dos limites e possibilidades do trabalho com o esporte e com o lazer problematizamos a cultura esportiva que temos, sob a égide do resultado, do record, da competição exacerbada, da seleção e da exclusão dos comuns que são a maioria, das mulheres, dos deficientes, dos idosos, dos trabalhadores, dos que não tem acesso aos clubes, a iniciação esportiva e, especialmente, àqueles que não tiveram e não tem acesso ao sistema escolar que contemple a educação e à educação física de qualidade. Ao propor o estudo, o debate, as vivências no campo do esporte e do lazer, nossa indagação constante perpassou a seguinte questão: Uma outra cultura esportiva é possível? Quais as alternativas? Como pensar o esporte “com o outro” e não somente “contra o outro”. Como pensar e vivenciar o esporte e o lazer enquanto educação, saúde e porque não alegria e divertimento numa perspectiva ampla, como formação humana.

Palavras-chave: Esporte e Lazer; Educação Física; Elementos Formativos.

4. REFERÊNCIAS
Atlas do Desenvolvimento Humano. 2013. Disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/o_atlas/idhm/
BRACHT, Valter. Sociologia Crítica do Esporte: Uma introdução. Vitória. UFES. Centro de Educação Física e Desportos. 1997. (p. 9-16)
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF. Senado Federal. Centro Gráfico. 1988. 292p.
BRASIL. Lei Orgânica do Município de Catalão. (Lei nº 845, de 05/04/1990). Catalão-GO. 1990.
BRASIL. Lei Pelé. (Lei nº 9.615, de 24/03/1998). Brasília. DF. Centro Gráfico.1998.
DIESPORTE. Diagnóstico Nacional de Esporte. 2015. Disponível: http://www.esporte.gov.br/diesporte/ Acesso em: 05 outubro. 2016.