Sistema Online de Apoio a Congressos do CBCE, III CONGRESSO BRASILEIRO DE ESTUDOS DO LAZER | XVII Seminário Lazer em Debate

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“AS SONORAS”: LAZER E SOCIABILIDADE NA PERIFERIA DE BELÉM/PA -1960/1970
Luis Augusto Barbosa Quaresma, Natália Andrielly Trindade Alfaia, Helena Doris de Almeida Barbosa

Última alteração: 2018-03-19

Resumo


RESUMO: O lazer sempre esteve atrelado a dinamicidade das grandes cidades, no entanto, vem se constituindo ao longo do tempo em um vetor de sociabilidade, principalmente da população de áreas periféricas da cidade de Belém, capital do Estado do Pará, nas décadas de 1960 e 1970. Pode ser percebido como uma alternativa de sociabilidade que permite encontros, o estabelecimento de relações e do acesso à cultura pela música e dança, principalmente para áreas de periferia, como os bairros da Pedreira e Umarizal. Este trabalho suscita a compreensão de que o lazer se reescreve no tempo e no espaço enquanto necessidade das periferias, e de como são elaboradas alternativas endógenas para suprir as lacunas existentes na sua prática. O objetivo deste trabalho é analisar uma das expressões culturais que existiram na capital paraense nas décadas de 1960 e 1970, as sonoras , mais especificamente “A Voz da Sereia”, como alternativa de lazer e rede de sociabilidade, além de serem construtoras de memória acerca destes bairros e da música. Para tanto foram feitas pesquisas bibliográficas, documentais, iconográficas e entrevistas com familiares e pessoas que conheceram ou participaram dos eventos promovidos pela Voz da Sereia, a maioria deles realizados na Praça Eneida de Moraes. A partir de suas falas, pode ser observado o panorama do cotidiano dos bairros, as festas que envolviam a vida dos moradores desses locais e a multiplicidade de usos das aparelhagens nos diversos eventos que circundavam a comunidade, constituindo-se elemento de lazer, informação e sociabilidade da época.

Palavras-Chave: Atividades de Lazer. Música. Interação Social

Introdução:
O lazer pode ser percebido como uma alternativa de "medicina social, funcionando como diluidor de tensões e válvula de escape de angustias e fadigas do cotidiano” (PACHECO, 1981 apud MARCELINO,1995, p.40), principalmente para áreas de periferia, marcadas pela falta de equipamentos de lazer e distanciamento do poder público. Belém, capital do Pará, desde a década de 1960 vem sendo marcada pela quase inexistência de lazer voltado à- periferia da cidade. Dumazedier (2001) define o lazer como uma atividade que tem três funções básicas: descanso, divertimento e desenvolvimento, opondo-se as necessidades e obrigações da vida cotidiana do ser humano.
É um tempo dito como livre, no qual o indivíduo busca adquirir e gozar das necessidades que tragam prazer, distração, recreação e entretenimento, que na maioria das vezes não são encontrados e/ou garantidos. É o que se propôs conhecer este estudo, que teve como objeto de analise a “sonora” Voz da Sereia, enquanto elemento de aglutinação social e alternativa de lazer para os moradores da periferia de Belém. O objetivo foi analisar de que maneira as populações de baixa renda de Belém nas décadas de 1960 e 1970, praticavam seu lazer, a partir de uma das modalidades de festas que existiram em Belém - como redes de sociabilidade de familiares, vizinhos e amigos, além de serem construtoras de memória acerca dos Bairros da Pedreira e Umarizal - as aparelhagens.
A metodologia foi pautada em pesquisas bibliográficas, documentais, iconográficas e entrevistas com familiares e pessoas que conheceram ou participaram dos eventos promovidos pela Voz da Sereia. A partir de suas falas, pode ser observado o cotidiano dos bairros, as festas que envolviam a vida dos moradores e a multiplicidade de usos das aparelhagens nos diversos eventos que circundavam a comunidade, constituindo-se elemento de lazer, informação e sociabilidade da época. Para se compreender o papel da Voz da Sereia como instrumento de lazer e sociabilidade em Belém, se fez necessário abranger a evolução histórica da música popular paraense.
Resultados
A música sempre este presente nas atividades humanas, seja ela percebida como produto cultural erudito, seja como marcadores de momentos da vida cotidiana do indivíduo, como eventos religiosos e festivos, manifestações tradicionais, sociabilidade e até mesmo a identidade de um grupo social. Neste sentido vem ao longo do tempo se constituindo em um produto da dinâmica social e que muitas vezes se agrega e é distanciado de determinados grupos e espaços sociais rurais e urbanos de muitas cidades, vindo a ter seu uso e função agregados ao lazer. Costa (2013) destaca que o início do século XX é o momento do surgimento da música popular em âmbito nacional e local, mesmo que de forma marginalizada, haja vista o preconceito existente com relação a região norte, e de tudo que era relativo a ela. Pode-se dizer que a popularização da música tem seu embrião nos gramofones, que atraiam as populações menos abastadas para compras em lojas, funcionando como uma espécie de objeto responsável pelo marketing das lojas.
Posteriormente a isso, durante a década de 1940 surgem os embates entre as rádios oficiais e o que chamavam de amplificadores ou alto-falantes que eram apenas responsáveis pela amplificação dos gramofones. Tal cenário no dizer de Costa (2013) gerou as rádios de subúrbio, rádios voltadas a população desses bairros com músicas populares, propagandas e programas que atendessem a população, muitas presentes ainda hoje em bairros periféricos de grandes cidades, sendo conhecidas como "boca de ferro ou rádio comunitária". O surgimento das primeiras aparelhagens ou sonoros em Belém é posterior a Segunda Guerra mundial, período em que a difusão musical aumentou em grande quantidade.
A partir de então, década de 1950 mais precisamente, esses aparelhos passam a ser conhecidos como “picarpes” ou “bocas de ferro” e durante os anos de 1970 eles passaram a ser denominados de “aparelhagens sonoras”, “sonoras” ou apenas “aparelhagens”. Dentre estas destacou-se a Voz da Sereia, de propriedade do Sr. Oswaldo da Graça Pinto (popularmente conhecido como Sr. Vadico ou Caciporé), uma tradicional aparelhagem de som que existiu em Belém. Esta, se constituiu em um elemento de agregação e de lazer da comunidade, constituindo-se em um elemento de informação e sociabilidade da época, além de ser, uma alternativa de difusão cultural.
Era comum na época que houvesse festas na rua de sua casa, na Trav. 14 de março, e na Praça Eneida de Moraes (próximo de residencia) organizadas pelo Sr. Oswaldo da Graça Pinto. Morador do bairro do Umarizal em confluência com o bairro da Pedreira, bairros do subúrbio da capital paraense. Ambos eram conhecidos pela tradicionalidade dos festejos carnavalescos, dos moradores de médio e baixo poder aquisitivo e da boemia, sendo os festejos considerados momentos de lazer para os moradores locais. Dia de domingo era comum o chamado “lazer” entre as crianças. Como foi relatado este era constituído de pequenas brincadeiras com o intuito de diverti-las, e eram realizadas corrida de saco, corrida com aro de bicicleta e o ovo na colher. Os participantes destas atividades, geralmente crianças, disputavam um vale picolé ou bombons como prêmio das competições. Além do “lazer” existiam diversas festas que envolviam a comunidade e aproximavam os vizinhos, como por exemplo, os festejos juninos, dia das mães, dia dos pais, dia das crianças, dentre outras.
Nos dias de hoje o que se tem como meios de animação das festas populares em Belém, são as grandes aparelhagens como o Príncipe Negro, Super Pop e o Badalasom. Estas têm na sua essência a mesma filosofia da Voz da Sereia, no entanto, o aporte tecnológico confere um perfil diferenciado as mesmas, que normalmente tocam estilos musicais diversificados como o brega, tecnomelody. Uma prática comum também destas aparelhagens a realização dos famosos bailes da saudade, que buscam rememorar músicas que são rotuladas pelos mais jovens como bregas antigos, boleros e música popular paraense e brasileira dos anos de 1960 e 1970, se constituindo em uma nova segmentação do mercado do lazer, e de resgate da memória musical
Discussão
Quando a prática do lazer é realizada associada as artes, mais especificamente a música, possibilita oferecer ao ser humano, o novo ou uma nova funcionalidade à música, o conhecimento, fugindo assim do sedentarismo, com o objetivo de buscar motivações, interações e de voltar com novas experiências para a sua vida cotidiana. O lazer, portanto, deve ser percebido como a essência da “convivencialidade”, que permite a realização do encontro, do novo, das relações e da cultura. Também é visto como transformador cultural e moral da sociedade ligado ao projeto humano o que “implica fundamentalmente no entendimento às necessidades físicas e psíquicas do homem” (MARCELLINO, 1995, p.37), destarte, difundir práticas de lazer, também é difundir valores culturais.
As festas promovidas pelo Sr. Vadico não eram apenas um circuito de difusão musical, elas eram também o produto das relações que existia entre uma vizinhança e/ou um ou mais bairros. Fazendo uma análise geral, pode-se configurar essa interação entre a vizinhança, como um circuito, não do brega como Antônio Mauricio (2004) propõe, mas sim um circuito de socialização e lazer, pois, através das festas de aparelhagens havia uma grande interação entre as pessoas da vizinhança da Travessa 14 de março e dos bairros da Pedreira e Umarizal, sempre mediados pela presença da “A Voz da Sereia” nos eventos e festividades.
Esta prática vem ao encontro do que é colocado por Joffre Dumazedier (2004) acerca da prática do lazer no século XX na França. Este afirma que em função da desigualdade do crescimento de sua prática em todas as camadas sociais, esta dificuldade acaba limitando o desenvolvimento quantitativo e qualitativo do lazer em determinados locais e grupos sociais. No caso da Voz da Sereia, ela vem justamente suprir a partir da agregação de amigos e família, as necessidades na área do lazer, demandadas pelo subúrbio belenense nas décadas de 1960 e 1970.
Conclusão
Através do presente artigo, buscou-se resgatar a memória de uma Belém dos anos de 1960 e 1970 quando os espaços de sociabilidade e lazer voltados para as comunidades e classes menos abastadas eram quase inexistentes. Neste período emergem as aparelhagens, veículo de popularização da música popular e de divulgação artística. Nos bairros da Pedreira e Umarizal as “aparelhagens sonoras” ou apenas “aparelhagens” - destacando-se neste cenário a Voz da Sereia - foram de fundamental importância para a divulgação da cultura, sendo: rejeitada, adaptada e depois aceita por diferentes classes sociais, para então tomar grandes proporções,
Além disso, percebe-se que através das aparelhagens revela-se um cenário das relações sociais através das festas, no qual os personagens se envolvem como em um circuito cultural que se retroalimenta, a partir do momento em que os parentes, vizinhos e amigos se manifestam apoiando e participando dos eventos em busca do lazer. Percebe-se o quão instigante é esta temática e que muito há que se pesquisar ainda sobre a mesma, sendo importante para a compreensão da dinâmica cultural e social da cidade de Belém em um passado não muito distante.
Referências
CAMARGO, Luiz O. Lima. O que é lazer. São Paulo: Editora Brasilense, 1986. Coleção Primeiros Passos.

COSTA, Antonio Maurício Dias da.Festa na cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará. 2. ed. Belém: EDUEPA, 2009. v. 1.

COSTA, Tony Leão da. “Musica de subúrbio”, cultura popular e musica popular na hipermagem de Belém do Pará. 311f. 2013. Tese. (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro. 2013.

DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. São Paulo:, Perpectiva, 2004.

_____. ______. São Paulo: Perspectiva. 2001.

MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e humanização. Campinas, SP: Papirus, 1995.

Palavras-chave


Lazer; Música; Sociabilidade