Sistema Online de Apoio a Congressos do CBCE, XI Congresso Brasileiro de Atividades de Aventura

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“jogue com(o) uma menina”: vislumbrando novas narrativas às práticas corporais
Amanda Dória de Assis

Última alteração: 2020-08-21

Resumo


A condição de docente de educação física na educação básica e pesquisadora na linha de formação de professores e práticas pedagógicas, tem me instigado pensar os efeitos do currículo nos/as estudantes. Nessa direção, durante muitas aulas de educação física, percebo que independentemente do que seja trabalhado, é recorrente escutar enunciados por parte de alguns meninos, como “as gurias são ruins”, “elas são fracas”.
Por mais que se promova equidade de acesso às práticas corporais para meninos e meninas, isso parece não bastar, visto que muitas práticas são entendidas ainda como masculinas, como é o caso do futebol, das lutas. Também me parece que a posição feminina, ou seja, todos atributos e modos de ser menina que foram constituindo a feminilidade, também é uma questão que interpela o modo como boa parte das meninas se posicionam nas aulas. Certa “timidez corporal” (LOURO, p.76, 1997) parece ser um limitador para efetiva participação de muitas meninas nas aulas. Essas situações me lançam a problematizar gênero e as representações imbuídas em certas práticas corporais.
CAMINHOS INVESTIGATIVOS
O presente trabalho constitui-se como um relato de experiência. Viso com ele socializar uma proposta curricular inspirada na perspectiva cultural, que nos alerta que é necessário tencionar a homogeneização cultural que cria estereótipos e incentiva consumo de modos de ser (NEIRA; NUNES, p. 23). Assim, vislumbrei nas aulas visibilizar novas narrativas às práticas corporais que foram sendo na nossa cultura identificadas como masculinas.
Esse trabalho se deu nas aulas educação física (EF) de uma escola de ensino fundamental da Rede municipal de Ensino de Porto Alegre – RS, com uma turma do segundo ano do ensino fundamental.
BOLA ROLANDO: ASSINTINDO OUTROS FUTEBÓIS
Durante a Copa do Mundo de Futebol Masculino (2018), nos jogos da seleção brasileira masculina, a escola parava para assistir o futebol. Nos reuníamos com as/os alunas/os para assistir os jogos. Preocupada com as inquietações acerca das implicações de gênero nas aulas de educação física, e assistindo – literalmente – com as crianças a reiteração de uma narrativa única de futebol: a do futebol masculino –, propus que assistíssemos lances de futebol feminino na aula de educação física.
O primeiro vídeo foi de lances da Marta, em alguns jogos da seleção brasileira feminina. As crianças vibraram muito, como se o jogo fosse ao vivo. A cada lance, uma vibração. Foi então que começaram a ser enunciadas outras falas, como “ela (a Marta) joga muito!”, até mesmo algumas falas comparativas com a seleção brasileira masculina, como “elas são bem melhores que os caras!”.
Depois, eu mostrei um vídeo de um jogo GRE-NAL feminino. Nesse momento, não houve tanta euforia, alguns alunos disseram que elas não eram “tão boas assim”, o que possibilitou uma discussão sobre alguns motivos que poderiam produzir essas diferenças de habilidades das mulheres em comparação aos homens, tentando fazer com que elas e eles compreendessem o quanto é diferente o modo com o qual somos estimuladas a fazer certas coisas ditas de menina e de menino.
Por fim, assistimos o documentário "joga que nem mulher", produzido pelo globo esporte . Nesse momento, foi onde as meninas mais se manifestaram, algumas comentaram que também já quiseram “jogar bola”, mas ficavam com medo, entre outros receios.
Na aula posterior perguntei para as/os alunas/os o que lembravam dos vídeos. Teve alguns meninos que comentara que “as ‘mulher’ jogam muito”, e depois uma menina contou que foi a primeira vez que ele viu mulheres jogando futebol. Então um aluno questionou o motivo disso, se segundo as crianças “elas jogam muito”. Não respondi, fico a inquietação das crianças acerca disso. Em seguida, propus aos/as alunas/os um jogo de futebol, e desafiei eles a jogarem como uma menina e com as meninas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das falas e das manifestações dos alunos e das alunas durante as atividades propostas e desta escrita, percebi ao evocar minhas memórias e escrever o relato, que os meninos foram os que mais falaram durante essas atividades. O que me leva a pensar: Quem pode falar sobre futebol, mesmo que seja sobre futebol feminino? Aliás, quem mais é escutado e legitimado em suas manifestações na sociedade?
Jogue com(o) uma menina!

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