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CORPO COM DEFICIÊNCIA E A PERSPECTIVA HISTÓRICA DO VOLEIBOL SENTADO
MARIA DENISE DOURADO DA SILVA, DULCE MARIA FILGUEIRA DE ALMEIDA

Última alteração: 2021-08-05

Resumo


INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é examinar como o Voleibol Sentado (VS) contribuiu para a mudança de paradigma da reabilitação, adquirindo nível paralímpico, em que corpos com deficiência (GOFFMAN, 2012) desempenham performances e exercem direitos. Empregamos uma pesquisa com abordagem qualitativa e, como técnica, a entrevista com os envolvidos na criação e difusão dessa prática corporal. Concluímos que esse esporte tem servido para subverter a lógica de que corpos com deficiência são menos aptos ou menos capazes.
A relação do corpo com deficiência com o esporte é estigmatizada pela premissa da inaptidão e da incapacidade para a realização de atividades que envolvem a aquisição de habilidades e técnicas próprias desse campo. Em contraponto, a história da criação e da consolidação do VS fornece evidências que nos permitem romper o preconceito inicial, compreendendo-o como uma modalidade dinâmica, atraente e competitiva, em que os praticantes desenvolvem domínio técnico, qualidades sociais e empregam seus conhecimentos na obtenção de resultados coletivos.

HISTÓRICO
Originalmente pensada como atividade lúdica e recurso terapêutico no Centro de Reabilitação Militar de Aardenburg, o VS foi criado pelos holandeses Tammo van der Scheer e Anton Albers (falecido em 2015), membros do Comitê Esportivo para Vítimas de Guerra da Holanda (BNMO), adaptado do jogo alemão Zitbal e do Voleibol, e sua primeira apresentação ocorreu em 5/5/1956, no Estádio Olímpico de Amsterdã. A difusão e posterior inclusão como modalidade paralímpica se deu por esforços do também holandês Pieter Joon, culminando no ingresso na Paralimpíada de 1980 em Arnhem, Holanda. No Brasil, o VS foi introduzido por Ronaldo Gonçalves de Oliveira em 2002 e hoje é um dos esportes que tem trazido muitos títulos ao país.
O corpo com deficiência (LE BRETON, 2017) é o mediador na realização das técnicas corporais (MAUSS, 2017) sofisticadas próprias dessa prática social regrada, elaboradas diante de uma demanda inicial de reabilitação que ascendeu para o campo do esporte de alto rendimento e se tornou um importante instrumento de inclusão (direta e reversa), fortalecendo o reconhecimento dos direitos dessa parcela da população.
A importância da pesquisa reside no fato de que 45,6 milhões de brasileiros se declararam com alguma deficiência (IBGE, 2010), tornando-se um passo importante na sensibilização e no comprometimento da sociedade no reconhecimento e na garantia dos direitos humanos, inclusive o esporte, a essa parcela da comunidade.

ABORDAGEM METODOLÓGICA
O trabalho é parte de pesquisa de doutorado em curso e o método é a abordagem qualitativa. Foi utilizada a técnica da entrevista com Scheer, Joon e Gonçalves (2021 ) para obtenção das informações. O referencial teórico está fundado nas ideias de Le Breton, 2007; Mauss, 2017; Goffman, 2012, que discutem respectivamente a relação social estabelecida com o corpo com deficiência; as técnicas corporais e o estigma sofrido por ele.

DISCUSSÃO
Atuando em frentes e em momentos distintos, os três entrevistados corroboram a ideia de mudanças nas concepções relativas ao corpo com deficiência no VS.
Scheer (2021) idealizou o VS como um recurso voltado à reabilitação e aos aspectos lúdicos da atividade, em um contexto de readaptação de pessoas com deficiência, em sua maior parte adquirida na 2ª Grande Guerra. Hoje ele reconhece que o VS atingiu o ponto mais alto que o paradesporto pode alcançar, o status paralímpico, ao mesmo tempo em que nos permite “ver que há mais possibilidades a fazer”, mantendo sua essência de aumentar os contatos sociais.
Joon (2021) atuou em várias frentes para colocar o VS no circuito mundial e reconhece que, em sua fase embrionária, “a imagem do esporte para deficientes físicos era um grande obstáculo”. O desenvolvimento da atividade, entretanto, deu outros contornos com sua divulgação e evolução técnica, levando ao momento em que cumpre uma “importante função social” e o destaque é dirigido à resistência física e mental, não à deficiência.
Gonçalves (2021) introduziu o VS no Brasil (2002) e o viu crescer em quantidade e qualidade como uma modalidade com “todas as características[...] necessárias para o desenvolvimento humano”. Ao ver o VS como um paradesporto atraente pela plasticidade, também entende que promove uma “postura altruísta” perante a sociedade e uma mudança na autopercepção do corpo com deficiência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa está em construção, mas já impõe reflexão quanto à importância do contexto histórico do VS, demarcado pelas ações de pessoas que o construíram e o difundiram, com a ascensão da reabilitação ao esporte de alto rendimento, permitindo-nos reposicionar o corpo com deficiência como desafiador da lógica de que são menos capazes do que os corpos ditos “sem deficiência”.

REFERÊNCIAS
GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Tradução de Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. Rio de Janeiro: LTC, 2012.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010: características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. Disponível em: http://www.ibge.gov.br Acesso em: 19/05/2019.

LE BRETON, D. A Sociologia do corpo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

MAUSS, M.. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2017.

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