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QUANDO OS ARGUMENTOS DE LAZER E SAÚDE SE TORNAM CONTRADITÓRIOS, O CICLISMO NA PANDEMIA EM CAÇAPAVA DO SUL
Walter Reyes Boehl, Mauro Castro Ignácio

Última alteração: 2021-12-03

Resumo


INTRODUÇÃO
No Brasil, com a evolução mundial do vírus da Covid-19, estados e municípios, de forma descentralizada, suspenderam aulas e eventos, fecharam de negócios não essenciais e espaços de recreação públicos e privados (MORAES, 2020), para evitar aglomerações e, consequentemente, a disseminação da doença. Com isso, as possibilidades de esporte e de lazer acabaram sendo restritas. Como forma de amenizar essas dificuldades, o uso da bicicleta tem aumentado.

ETNOGRAFANDO NÃO TÃO DE PERTO
Uma das premissas das etnografias é o posicionamento. Etnografar de perto e de dentro (MAGNANI, 2002) é extremamente importante para a melhor compreensão do objeto a ser estudado. Porém, com a pandemia, essa forma de fazer teve que ser reinaugurada. Por razões de saúde coletiva, decidimos desenvolver este estudo de forma menos precisa, ou seja, sem as participações-observantes, à maneira de Wacquant (2002). Algumas entrevistas foram presenciais, outras à distância. As observações foram feitas de dentro do carro ou a pé, sempre mantendo a distância e o uso de dispositivos de proteção. Como meio de proteger as identidades, os nomes dos grupos foram modificados. O presente estudo, estruturado na etnografia, visa compreender como os citadinos de Caçapava do Sul/RS se apropriam da bicicleta como lazer e ao mesmo tempo se contradizem em seu uso.
Na cidade, existem três grupos de ciclistas: dois surgidos pré-pandemia e um há pouco tempo, em que todos nasceram do discurso de promoção de saúde através da prática ao ar-livre no tempo destinado ao lazer. O Giro nasceu, no verão de 2019, por iniciativa de quatro funcionárias da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), com o objetivo de qualidade de vida. O segundo, Ciclo, no mês de setembro do mesmo ano, foi fundado em uma garagem por oito membros, em que a ideia inicial era criar uma associação de ciclista, mas que, em razão da burocracia, logo fora descartada. O terceiro, surgido em 2021 e batizado de Pedal.

O PEDAL NA CIDADE
Caçapava é uma cidade alta e costuma ser úmida e gelada. Quando chegamos ao local era primavera. Por sorte, não pegamos o frio que os queixosos caçapavanos relatavam. Talvez, o clima mais ameno da estação tenha proporcionado o fenômeno avultado aos nossos olhos. Possivelmente, as temperaturas mais altas tenham incitado o aumento de ciclistas pela cidade, o que não deveria ter ocorrido no inverno.
No que tange a circulação, o fato de muitos cidadãos estarem pedalando não gerou estranheza. Bem pelo contrário. Alentava em saber sobre o interesse na efetivação de práticas corporais ao ar livre. Contudo, o que realmente nos impressionara não fora isso, mas as multidões aglomeradas. Começamos assim a questionar os discursos pautados em promoção da saúde física e mental. Passamos a olhar como contraditórios, haja vista, ao deixar de tomar os devidos cuidados, aumentaria o fluxo do Corona Vírus e sobrecarregando o sistema de saúde público.
Atrás das respostas continuamos a analisar o comportamento dos membros dos grupos. Não foram raras as vezes que avistamos ciclistas aglomerados e sem máscaras no acostamento da rodovia BR 392, como, em um sábado de manhã, próximo à linha Santa Bárbara, em que, mais de dez ciclistas amontoados, contrariando as orientações de saúde, faziam fotografias da equipe. Esse não foi caso isolado. Outros aconteceram como, em janeiro de 2021, no Pedal Solidário. A publicidade do evento atentava para o uso de máscaras, só que a maioria aglomerava-se e não portava a proteção. Ou, no caso, do dia 29 de maio, em frente à Igreja Matriz, em que componentes do Pedal se amontoavam nos degraus da escadaria para serem fotografados. Por causa desses comportamentos, alguns membros se afastaram desses grupos para praticarem individualmente ou com a família.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os grupos, ao buscarem a atividade física como meio de promoção ao lazer e à saúde, acabavam por negligenciar cuidados primordiais durante a pandemia, indo contra o próprio objetivo inicial. Desse modo, é preciso alertar para a necessidade de se manter todos os cuidados com a saúde, visto que a observância de uns não é salvo conduto para o descarte de outros.

Referências


MAGNANI, J. G. C. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 17, n. 49, p. 11-29, 2002.

MORAES, R. F. Covid-19 e medidas legais de distanciamento social: tipologia de políticas estaduais e análise do período de 13 a 26 de abril de 2020 (Nota Técnica n. 18). Ipea, 2020. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/10076. Acesso em: 8 ago. 2020.

WACQUANT, L. Corpo e Alma: Notas etnográficas de um aprendiz de boxe. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

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