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VOLEIBOL SENTADO: CULTURA CORPORAL PARADESPORTIVA EM EXPOSIÇÃO
Maria Denise Dourado da Silva, Letícia Rodrigues Teixeira e Silva, Débora Darck Lopes Costa Arantes

Última alteração: 2021-09-12

Resumo


O Voleibol Sentado (VS) foi criado por Tammo van der Scheer e Anton Albers em 1956, no Centro de Reabilitação Militar “Aardenburg”, Holanda, no contexto pós segunda grande guerra. O momento histórico em que ocorreu a criação dessa prática corporal – atualmente paralímpica – foi decisivo na definição de objetivos fisioterapêuticos e lúdicos para uma população de soldados atingida em seus corpos pelos horrores bélicos. O VS ascendeu da terapia para modalidade paralímpica graças aos esforços empreendidos, especialmente pelo holandês Pieter Joon, em 1980, na edição dos Jogos Paralímpicos em Arnhren, Holanda, ano em que aconteceu a sua estreia no naipe masculino.
No Brasil, a modalidade foi introduzida em 2002, por Ronaldo Gonçalves de Oliveira e, apesar do atraso temporal em relação ao país de origem está em processo de ascensão no que diz respeito à qualidade técnica, em número de participantes e em títulos conquistados. Ademais, vem despontando como um dos paradesportos mais populares.
O VS é uma modalidade esportiva disputada em equipe, com o objetivo de colocar a bola no chão da quadra adversária, passando por cima da rede divisória. São elegíveis para participar os amputados, os sequelados de paralisia infantil, os lesionados medulares entre outros tipos de deficiência previstas no Sistema de Classificação Internacional. A posição sentada permite que praticantes realizem os gestos técnicos correspondentes fora da postura bípede. Essas pessoas são impedidas pela condição corporal e desenvolveram a aprendizagem das técnicas sofisticadas próprias dessa modalidade paradesportiva a partir de um complexo processo cognitivo. Partindo da estrutura do Zitbal – esporte alemão jogado sem rede por pessoas com mobilidade limitada, utilizando os punhos para tocar na bola e que esta poderia pingar no chão –, os idealizadores aproveitaram a posição sentada em que o jogo acontecia e acrescentaram os elementos técnicos do Voleibol e mais o uso da rede divisória.
No VS são exigidas precisão técnica no contato breve com a bola, rápida leitura das situações de jogo e realização do duplo papel dos membros superiores, utilizados tanto para deslocar deslizando sobre as nádegas, como para realizar os fundamentos técnicos originais: toque, manchete, saque, cortada e bloqueio, os quais exigem transição célere entre essas duas funções desempenhadas. As tomadas de decisões ocorrem frente às inúmeras ocorrências em que a bola tem que permanecer no ar.
A cultura paradesportiva do VS é constituída por um conjunto de técnicas corporais (MAUSS, 2017) com características únicas, que foram particularmente criadas em um tempo histórico determinado e que são apreendidas mediante as interações sociais. Em especial, o deslocamento sentado na quadra é uma habilidade que demanda adaptação corporal e ao espaço de 10 X 6 m, dividido ao meio por uma rede a uma altura de 1.05 para as mulheres e 1.15 para os homens que não jogam juntos em competições oficiais. Essas experiências corporais permitem que os jogadores adquiram novas competências e as capacidades necessárias para a realização do jogo em que confrontam cotidianamente as representações sociais que associam o paradesporto ao movimento monótono, desinteressante e sem atrativos.
As paratletas em foco integram a Associação de Deficientes de Aparecida de Goiânia (ADAP) e a seleção brasileira de VS, as quais disputarão a Paralimpíada de Tóquio/2020. Duas das participantes sofreram amputações de membro inferior (lesão mais comum na modalidade) decorrentes de acidentes com motocicleta e a outra teve câncer nos ossos do quadril em que foi necessária a realização de implante de endoprótese. Essas circunstâncias as colocaram na condição de pessoas com deficiência.
Os corpos com deficiência dessas mulheres jogadoras de VS em foco foram registrados em ambiente de treinamento preparatório para os Jogos Paralímpicos de Tóquio. Demonstram diuturnamente um contraponto às representações sociais discutidas previamente, quando realizam pouco menos que os dançarinos ao alçar voos no intuito de alcançar a bola e que se restituem em integridade e valor ao desempenhar atleticamente e de forma colaborativa as mais espetaculares performances.

Referências


HARAWAY, Donna. Antropologia do ciborgue. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo, EPU/Edusp, 2017.

LE BRETON, David. Antropologia da dor. São Paulo: Fap-Unifesp, p. 248, 2013.

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