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BIOLOGIA VERSUS CULTURA, SUPERANDO PARADIGMAS A PARTIR DE PERSPECTIVAS DE TALENTO CORPORAL
Walter Reyes Boehl, Mauro Castro Ignácio, Guilherme de Oliveira Gonçalves

Última alteração: 2021-11-30

Resumo


INTRODUÇÃO
No futebol, prodígios impressionam pela maneira hábil com que se servem de seus corpos no trato com a bola (DAMO, 2007), sendo vulgarmente reconhecidos como talentos. Contudo, a explicação sobre a sua existência em determinadas pessoas e não em outras perpassa pelo biológico ou sociocultural.
Esta é uma pesquisa iniciada em 2018, com quatro empresários de futebol, visando a partir do corpo enquanto detentor de talento a superação das perspectivas do binarismo biologia versus cultura. Para tal, o uso da etnografia foi adotado como ferramenta teórico-metodológica.

A CONCEPÇÃO NATIVA DE CORPO TALENTO
Este estudo foi estruturado em dois tempos. Um quando estivemos mais próximos dos empresários de futebol e o outro quando acompanhamos as rotinas dos familiares e dos treinadores. Nos dois, colocamos em prática as participações-observantes, as observações-participantes e as entrevistas, aprendendo sobre as noções nativas de talento corporal. Assim, entendemos que as concepções para os empresários voltavam-se mais para configuração herdada, da predisposição genética, do inato e não do adquirido. Quando mais próximos dos familiares e das comissões técnicas, evidenciamos que as noções eram quase as mesmas dos empresários, com o destaque que os treinadores imputavam muito ao talento às suas intervenções nos corpos.
Apressadamente, poderíamos interpretar que a maioria dos interlocutores, de ambos os grupos, imprimiam mais suas percepções sobre o tema, a partir de estruturas corporais, como altura, envergadura, tamanho plantar e palmar, capacidades fisiológicas e de habilidade no controle e no manejo da bola, não levando em consideração que essas estruturas e os seus efeitos poderiam ser compostas de intervenções humanas, treinamentos físicos, alimentação, suplementação, medicamentos, entre tantas outras e que a predisposição inata, algo que pertenceria ao sujeito, poderia ser aperfeiçoada (DAMO, 2007).
Por outro lado, as nossas experiências acadêmicas, enquanto pesquisadores da área socioculturais em Educação Física (GESEF), dificultavam o exercício de alteridade para com esses grupos. Para nós, o talento seria fruto da construção corporal, no refinamento do repertório motor, do empenho, da determinação e do aprendizado nos treinamentos. Ou seja, concebíamos, diferentemente do que Tim Ingold (1994), o talento como algo emancipado da natureza, com biologia e cultura em oposição.

NATUREZA X CULTURA
Ao corpo do jogador, conforme Damo (2007), são predispostos dispositivos para o espetáculo fruto do treinamento objetivando o reconhecimento do público. A superação das noções biologicistas de um lado e socioculturais de outro acabou se tornando a nossa perspectiva de investigação quando detectamos a existência de choque dessas visões. Superar a partir do que é fruto de treinamento (adquirido) e genética (inato) foi o que passou a conduzir os nossos estudos. Superar o que nós pesquisadores pensávamos e conjecturamos sobre os pensamentos dos interlocutores no assunto nos motivou a seguir em frente. A nossa intenção excedeu o querer articular as concepções de talento, mas apresentar como a noção auxilia na superação da dicotomia natureza x cultura.
Quando olhávamos para os campos dentro dos centros de treinamentos, víamos corpos sendo lapidados por horas a fio. Observávamos novas habilidades sendo introjetadas e técnicas corporais sendo refinadas da maneira que Tim Ingold (2000) se referiu enquanto noção de skill, como arena de arranjos em que envolvem o jogador, a bola, o adversário e o gramado. A habilidade constituída não poderia ser explicada somente pelo talento, como algo inato, mas como oriundo de combinações entre cultura e biologia, em que a natureza humana estaria apta a receber o aprimoramento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da pesquisa, ao analisar as percepções dos agentes envolvidos com o futebol, parece evidente que o talento é algo inato, que nasce com o indivíduo. No entanto, com um olhar mais apurado, o que se vislumbra são inúmeras intervenções humanas com o intuito de refinar as habilidades, com treinamentos específicos e diversas técnicas, e aprimorar o corpo, melhorando seu desenvolvimento, com suplementações e tratamentos. Dessa forma, é possível considerar que o talento corporal é uma combinação entre cultura e natureza.

Referências


DAMO, A. S. Do dom à profissão: a formação de futebolistas no Brasil e na França. São Paulo: Hucitec, 2007.

INGOLD, T. Humanity and animality. In: INGOLD, Tim (Ed.). Companion encyclopedia of Anthropology: humanity, culture and social life. London and New York, 1994. p. 14-32.

INGOLD, T. Beyond art and technology: the anthropology of skill. In: SCHIFFER, M. B. Anthropological perspectives on technology. Albuquerque (NM): University of New Mexico Press, 2001.

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